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19 novembro, 2008

A dor de existir²














Podia ser quem quisesse. Um poeta malogrado em sua escrita logorréica à sua amada, uma criança de fala e movimentos débeis, um homem atazanado em seus próprios conflitos, a própria elegância e cortesia ou ainda um fracasso. Ele só não podia ser apenas uma coisa interinamente. Oscilava como o tempo que em suas frações menores que milésimos, mais infames que milésimos, faz um camaleão incorporar suas matizes, o vento volver a curva e um pensamento vagar em despropósito.

Um homem e um distúrbio. Sim, tinha caráter; sim, era digno. Mas algo o afetava. Sofria irrefletidamente. Sensibilizava-se de quase tudo, embora, por instantes, revelava-se sisudo e severo. Tinha bom senso de humor, ótimo senso de humor, podia irradiar vendo um cachorrinho auferir-lhe gracejos; mas de vez por outra, no meio de um largo sorriso, suas maçãs se lavavam de um líquido choroso que, todavia não eram alegres. Não, não eram alegres. Mesmo assim, com toda a crise, podia ser quem quisesse: o poeta e o menino, a elegância e o fracasso.

Estava envolvido numa atmosfera de miasma, contaminando tudo a sua volta, e para tanto só bastava-lhe imaginar. No seu bojo, não suportava ser quem era e com um suspiro enfadonho, e um pesar no semblante, com os cantos tortos da boca, desabafava:

- Pra que tanta sensibilidade se a abjeção humana é bem mais fascinante?

Dizia isso no propósito de diminuir sua carga, mas só conseguia perceber o quanto estava doente, o quanto estava afetado, e o peso da sua consciência parecia cair sobre si. Quando afundava o peso do seu corpo sobre os joelhos, envergando-se, era como um 'c', um 'c' de carência, e se curvando mais um pouco, um 's', um 's' de solidão, sucumbindo com o corpo, o seu desacordo.

Apesar dos inúmeros amigos e ciclos que freqüentava, seu vazio avançava à obscuridade, à devastação. Era insólito. Bem que por diversas vezes tentou se livrar da doença, mas seu estado de espírito não lhe permitia. Sabia que não havia cura, porque não haveria uma cura para sua crise de existência, e sabendo disso, progride tortuosa a vida.

Por que ser o que quiser, se no fim não há uma razão? A vida se desvela complexa, incógnita, paradoxal. Um momento que se tem uma única vez e pode durar um dia, meia-hora ou cem anos. Mas de qualquer forma, todo esse tempo é magnificamente igual, o viver, o existir, isso sim é verdadeiramente o sentido da simples permanência. Ah, pobre do homem, pobre do homem que como esse, esteja disposto a ser o que queira e ainda tente descobrir razão de viver.

(²) - Essa é uma uma nova versão do primeiro conto que postei aqui. Para conferir o original é só ir ao primeiro post do blog. Algumas correções e corte das sobras que só faziam empobrecer o texto... quem sabe melhorou agora?

17 setembro, 2008

Ru-iv-a






















eu deveria ver ruivo?

multicolora!
ou deveria ver cores?

pouco ruidosa!
eu deveria imune?
cólera! eu deveria você!
sonora... implora... sai na chuva!
um ponto de ferrugem, pouco incomoda!
lava prato, me conta um segredo?

19 junho, 2008

Verborragias insanas resgatadas numa noite inquietante de uma conversa sem futuro




















Renoir_Promenade


Aí me ocorre uma falta de resposta. Eu fico pensando em algumas palavras pra dizer, mas eu nem sei o que; e fico com a obrigação de que seja bonito e provoque as melhores sensações. Mas acho isso impossível, porque vens em movimentos tão verdes que inspiram esperança e me deixam sem calço. Só me restam uns suspiros extasiantes, mas as palavras alcançam tantas dimensões e proporções que tens de saber do seu uso. E eu gosto tanto dos movimentos verdes, quando eles formam blocos grandes entre os meus azuis. Mas que movimento vacilante! intermitente. Os azuis se acabam chatos. Uns azuis, aqui, que ficam metidos a besta, querendo talvez impressionar ou seduzir, mansos, acabam na verdade dos verdes. E às vezes, eles se encontram e formam um novo tipo de cor, mais consistente, como se precisassem um do outro para não deixar de existir, e persistem.


Não parece verdade. É como se abraçasse uma vontade, mas aí já é verdade, não é? Uma verdade para ser eternizada. E o que cabe nesses momentos de imensidão eterna?

Amo quando eles passam da virtualidade, ultrapassam mais essa dimensão, completando contorno e preenchimento. Que eu divido, para não serem só meus - para que sejam nossos.


E espero!

02 março, 2008

Vitamina C


















Tempo fazia que ele andava com o coração nas mãos, a vagar de um lado para o outro a procurar por alguma coisa, algo que lhe fizesse enfim sublimar toda aquela condensação de dores remotas... dores que não lhe cansavam de atormentar os sentidos. Saiu de casa naquele dia sem grandes propósitos, encontrar amigos e sorrir eram os traçados planos. E menos ou mais os fatos assim aconteceram. Abraços mornos, líquidos sorridentes... ah! e a lua? Que ele nem poderia saber como viria iluminá-lo.

A realidade lhe parecia suspensa por algum tipo de bondade da vida, ela lhe sorria incansavelmente... mas, já havia a duvida de quem estava sorrindo pra quem. Os pés lhe davam a incrível sensação de flutuar loucamente sobre a sua própria vida: agente e platéia dela em um só instante. Seu coração encontrara, enfim, um momento de suspensão, de calmaria... e como ele poderia estar ali para todo o sempre. Fazer morada, juntar gravetos, reabilitar seu organismo.

O mundo naqueles instantes não passava de um algodão doce: uma lembrança morna da infância. Um sorriso roubado, escancarado em algum palco medíocre de circo, uma tabuada executada com perfeição, e até mesmo aquela dor sentida após a queda... mas aquela era uma queda lúdica. As cicatrizes hoje em seus joelhos são motivos de orgulho e não de paranóia.

Ele podia em qualquer lugar estar, mas o universo fez com que ali estivesse. E a sensação era de satisfação, uma vez que mesmo estando na terra, consegui submergir, adentrar na bolha desordenada e inebriante da felicidade. Por que não alguém para dividir esse pulsar? Um segundo corpo onde o sopro dessas palavras pudessem também fazer morada?

Ele fulgurava em tons de amarelo e encarnado diante da luz lunar e escondia um segredo no seu cenho e curvas risonhas de canto de boca. Fazia movimentos rápidos e curtos como se quisesse libertar algumas concordâncias, mas parava na levitação de nossos pés. E eu sustentava isso derramando doce da boca, lacrimejando caramelo e pincelando com as pálpebras, num movimento longo e lento – como se para concordar com os curtos e rápidos dele.

Fomos embora com a certeza de que outros dias viriam para sustentar tais momentos indeléveis. Como se registrássemos para uma fotografia que seria guardada num álbum de boas fotos, que puiriam com o tempo e formariam manchas amareladas e expressivas. Beberíamos dias de por vir, novos líquidos sorridentes entre amigos. Despropositadamente: num dia de domingo, num chá, num filme antigo, numa praça, num novo encontro, ao telefone ou por carta, num café e talvez muito por acaso ou não por acaso teríamos um momento revival, de transcendência mútua. Mesmo com os constrangimentos. Ele falaria do conforto de estar entre meus abraços duradouros e de minha fragilidade contra o mundo. E eu cairia num tempo sem medidas de permutas filosóficas. Falaríamos sobre o tempo e de como não ser absoluto, de como as noites despertavam e os dias nunca nasciam iguais. Sobre a cor azul e suas demasiadas formas interpretativas. E como isso estaria eternizado! Como fazer morada disso? Ele ia se despedir logo depois de um conhecido silêncio e voltaria de novo com seu segredo secreto. E num movimento de cadeia, os tempos formariam ciclos por através de vários momentos. Os ponteiros girariam grandes e volumosos círculos, entre vários ciclos, entre várias outras luas e até mesmo obscurecidos pelas nuvens pesadas e azul-acinzentadas de um dia de chuva, ou sob um sol de domingo. E eu me atrasaria nesse tempo enquanto ele se perdia entre passado e futuro, já que não conseguia coordenar o presente. E vagava em divagações... vagava entre ondas gorgolejantes de sofrimento e de não anunciação. Marés carregariam consigo o encanto das formações dos desenhos da areia, e das pedras, e da espuma que secava com o vento ‘briseiro’ de cada manhã litorânea.

(Pedro Carvalho e Daline Lucena. Ou seria Daline Lucena e Pedro Carvalho?)

19 fevereiro, 2008

Tinteiro

Desemperra essa mão
Abre teu peito numa folha
E a tinta? Derrama!

18 fevereiro, 2008

Temente Orfeu











Temente Orfeu, sobressalta-te

Às escadas do passado

Lambidas frouxas

De azuis e amarelos e lilases


Vacilante Orfeu, sobressalta-te

À ladeira, sobe-a frouxa

Desvenda suas matizes


Temente Orfeu, não olhas pra trás

Enxerga sem vê!